Mariana Aydar em Peixes Pássaros Pessoas (por Caetano Veloso) [RE:POST]

Peixes Pássaros Pessoas (por Caetano Veloso)

"Quando ouvi o primeiro CD de Mariana Aydar (faz um ano, mais?) fiquei muito impressionado com a firmeza, a calma e a originalidade de uma jovem grande cantora dentro da tradição brasileira de cantoras grandes. O lançamento agora deste segundo álbum confirma a personalidade artística dessa paulistana com longas passagens pelo litoral Sul da Bahia.

O vínculo com o samba amadurecido e modernizado se comprova. Os ecos da infância artística no mundo do forró estão talvez mais presentes do que antes. A parceria com Duani de música e de vida traz segurança e graça a essas filiações. O encontro mágico com a caboverdiana Mayra Andrade (encontro cuja dimensão celestial pode ser vista e ouvida também no filminho disponível no YouTube das duas cantando a canção Tunuka sentadas no chão da rua de uma cidade grande) mostra o poder da musicalidade, a sutileza do processo de modernização da música brasileira e o mistério do destino da expansão lusitana pelo mundo, no nascedouro da modernidade.

Escrevo com apenas os sons das faixas desse novo disco: não recebi nem pedi ficha técnica, títulos das canções ou quaisquer créditos. Talvez esse seja o jeito certo para abordar modestamente o trabalho de uma mulher de maneiras tão diretas, de clima tão saudavelmente carnal e de pensamentos e disciplinas tão transcendentalistas.

Mariana abre o disco com um samba super-samba e o fecha com uma melodia de samba ad libitum em diálogo com guitarras (violões) em sons experimentais. Entre os dois, há xote caribeado, baladas e muito samba. Em dueto com Zeca Pagodinho, ela confessa que do samba não pode se livrar. O samba domina o álbum - sem fazer deste um disco de sambas. Pode-se dizer que assim o domina mais do que se apresentasse oficialmente como um disco de sambas: é a atração irresistível pelo samba que orienta o estilo e o repertório, não uma decisão pré-existente nesse sentido.

Há quem veja pouca importância ou novidade no aparecimento de uma geração de jovens cantoras atraídas pelo samba. Em geral, são pessoas que confundem importância com novidade - e que não sabem onde há novidade de fato. Para mim é novidade que haja Mariana, com sua voz desaforada e tranquila reafirmando a riqueza do canto das mulheres em nosso país. E que o faça de uma perspectiva naturalmente moderna e relaxadamente consciente dessa modernidade. O Brasil nunca se curará do seu antigo ensimesmamento forçando um olhar só para fora de si: se fizer assim, estará se convencendo de que o relevante é necessariamente o que passa longe de nós. Parece que instituímos o seguinte: quanto mais evidente e radical se consiga fazer parecer que essa distância é, mais relevante se prova a música produzida. O que é a consequência extrema do ensimesmamento. Meu entusiasmo com o surgimento de cantoras-cantoras, conhecedoras de como se canta em português brasileiro há décadas - e ao mesmo tempo à vontade com a música popular global - se deve à minha desconfiança em face dos que fingem só amar o que pareça inalcançável pelo Brasil. Isso pode significar apenas que não se ama nada. Mariana - como Roberta Sá, Maria Rita ou Mônica Salmaso - é uma prova de que, ao encorpar-se em sua história, a música popular brasileira se reconhece relevante para o mundo. E o mundo só dá mostras de que continuará a atentar para isso"


Peixes Pássaros Pessoas (por José Flávio Júnior)

Mariana Aydar representa perfeitamente o que é a cantora brasileira em 2009. Canta bem, compõe, tem ótimas referências musicais — e nenhum preconceito, interpretando gêneros diferentes —, é charmosa, jovem e está preparada para encarar as mudanças latentes no mercado musical. Até aí, nenhum problema. Mas ele existe. Essa paulistana de 29 anos compete com dezenas de cantoras que ostentam os mesmos predicados, todas almejando audiências maiores. Como se diferenciar da manada num cenário tão pródigo em talentos?

Mariana responde com Peixes Pássaros Pessoas, seu segundo CD. Tudo o que não estava bem resolvido no primeiro disco — Kavita 1 — é sólido em seu sucessor, desde a capa (a primeira, um mosaico brega com várias imagens de Mariana; no novo CD, a cantora imersa no caos do galpão da escola de samba Leandro de Itaquera) até o repertório (em vez de temas consagrados por Elis Regina, só composições de gente da sua geração ou um pouco mais velha).

O gênero musical predominante é o samba. Mas, curiosamente, Mariana se destaca para valer quando se afasta dele. Uma das fugas se dá na sétima faixa, a irresistível Tá?, um xote todo torto escrito por Carlos Rennó, Pedro Luis e Roberta Sá (uma daquelas cantoras que concorrem com Mariana). As palavras que encerram os versos aparecem pela metade, pois "pra bom entendedor meia palavra bas...", prega o refrão. A brincadeira remete a Cadê Teu Suin-?, do segundo disco do Los Hermanos, grupo que Mariana gravou em seu début.

Como hoje não há nada mais óbvio do que gravar Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante (os líderes da banda carioca), Mariana foi procurar pérolas em outros mares. E achou Peixes, da dupla budista gaúcha Os The Darma Lóvers, que já não merecia ser apenas cult. Originalmente uma balada folk, ela é um brado de libertação, que diz: "nós morremos como peixes/ com o amor que não vivemos/ satisfeitos mais ou menos". A cantora vive o texto com intensidade, pontuando a canção com um grito desbragado, o momento de maior impacto do álbum.

Outro achado é a luxuriosa Beleza, do casal Rodrigo Campos e Luisa Maita (outra "rival" fantástica). Em dueto com a cabo-verdiana Mayra Andrade, Mariana exalta o ato sexual, o calor que a mantém acesa. Casa maravilhosamente bem com Aqui em Casa, criação de Mariana e do namorado, Duani, que vem na sequência. Nesse, o melhor samba do disco, uma anfitriã trata seu hóspede com todo carinho, mas teme que ele confunda a cortesia com outra coisa. Tem jeitão de samba para a história, que será lembrado por ter inaugurado um assunto. O novo CD deixa Mariana numa posição privilegiada diante das adversárias. Quem lucra é o fã de música brasileira: enquanto as cantoras se estapeiam por um lugar ao sol, ele sorri com a certeza de que já ganhou.


Peixes Pássaros Pessoas (por Ronaldo Evangelista)

Antes do primeiro disco, qualquer cantora pode ser qualquer coisa. Canta-se, vive-se, experimenta-se, descobre-se. Então, de repente, os denominadores se tornam comuns e uma afirmação é feita com arranjos, repertório, voz. Diz-se: aqui estou. Já o segundo é uma encruzilhada, cheia de possibilidades e riscos; a chance de dizer mais ou mais do mesmo. Mariana Aydar, desde sempre movida pela vontade do novo, abriu os braços e encarou com tudo que tinha a vontade de dizer mais.

Em seu segundo álbum, Peixes Pássaros Pessoas, deixou nascer e crescer o impulso de fazer mais, cantar mais, buscar mais, encontrar mais. O instinto de Mariana é afiado. Em três anos - tempo desde sua estréia, Kavita 1 -, Mariana rodou: cantou muito, em muitos lugares, para muitas pessoas. Aprendeu sobre a vida e sobre a música, e seu novo disco é resultado disso. As afirmações se tornam mais profundas, cada palavra e som mais verdadeiros.

Fazendo música com a mesma naturalidade com que vive, Mariana começou pela galera: foi atrás de gente da sua geração que admira e perguntou se não tinham uma musiquinha ali pra ela. Um passo além do que já era um dos grandes charmes de sua estréia, a pesquisa musical. Onde antes havia o encontro de uma tradição que passava por João Nogueira, Théo de Barros, Leci Brandão, João Donato, Eduardo Gudin, agora há Romulo Fróes, Luisa Maita, Nenung, Roberta Sá, Pedro Luis.

Mariana é tão paulistana quanto se pode ser, mas nela isso assume sentidos amplos. O ritmo intenso e o caldeirão de referências da cidade se tornam matéria-prima de um pensamento aberto e inclusivo. Onde cantoras caretas vêem rivalidade, Mariana prefere encontrar parcerias. Se revelar compositora e ainda ganhar canções de Roberta Sá e Luisa Maita é luxo para poucas, para uma. Lançar canção inédita de Romulo Fróes e ainda recontextualizar uma pérola de Nenung idem.

Duani, parceiraço de Mariana desde seu primeiro disco, sempre impressionante com seu vigor e facilidade pra fazer tudo - e fazer tudo bem -, foi produtor e peça fundamental do álbum antes e durante de todo o processo, em casa, ajudando a buscar os sons e criar o disco, conversando, especulando, tocando muito, compondo. Para juntar todas as idéias e achar aquele som orgânico e criativo, o nome de Kassin surgiu naturalmente. Além de já ser de saída um dos mais originais e seguros produtores destes tempos (só lembrar de seus trabalhos com Jorge Mautner, Los Hermanos, Orquestra Imperial, tantos outros), Kassin tem ainda a sensibilidade permanente de achar o pessoal e revelar o verdadeiro.

As participações instrumentais também são emblemáticas: do guitarrista-símbolo do experimentalismo tropicalista Lanny Gordin (em duo de guitarra e voz com Mariana) ao pai da cantora, Mário Manga (do Premê, tocando violoncelo), passando pelos jovens e talentosos Marcelo Jeneci, Donatinho, Gustavo Ruiz, Marcio Arantes, vários outros.

Moderno sem ser forçado, tradicional sem ser careta, Peixes Pássaros Pessoas deixa fluírem as canções enquanto revela constantemente detalhes para deixar cada som mais interessante. São pequenos gestos espontâneos de criatividade anticaretice que enriquecem os arranjos - como a guitarra cítara levando o refrão de "Beleza", o baixo synth que dá o groove de "Tá?", a harpa dialogando com banjo e cavaco em "Manhã Azul", o stylofone de "Poderoso Rei", a bateria algo afrobeat de "Teu Amor é Falso" ou Carlinhos 7 Cordas tocando baixo elétrico e guitarra pela primeira vez, em "Aqui em Casa". É como se Mariana não tivesse se colocado limites: vale tudo, desde que surja com verdade e soe bem. Daí, a pegada zen-psicodélica de "Peixes" soa tão natural à Mariana e ao disco quanto a levada afro sensual de "Beleza", a pegada de "Pras Bandas de Lá" ou o samba de "Florindo".

O samba, aliás, era uma questão central. Pela autoridade com que Mariana sempre cantou o estilo, era fácil aos preguiçosos simplificá-la como Nova Sambista ou rótulo similar. Ela, então, decidiu: o disco novo não traria sambas. Mas eles são parte dela, como todo o resto, e foram pintando inevitáveis. Duani, sempre certeiro, aproveitou a inspiração e compôs "O Samba Me Persegue", que ganha ainda sentidos maiores com a participação tão à vontade de Zeca Pagodinho.

Fazendo parte de uma tradição que já tem tantas cantoras, em uma época com tantas ainda, parece incrível se destacar, como realmente é. Mas na.. Mariana diz muito, diz com voz própria, e o diz por muitos. Se querem ouvi-la e ela cada vez quer dizer mais, não é puro acaso, é sinal que algo faz sentido. Mariana não se satisfaz mais ou menos. Viver afogada no destino de morrer como decoração das casas não é futuro pra ela. Dizer o que todos dizem, fazer como todos fazem é pouco. Com isso em mente, veja o quê e como canta Mariana no disco.

O compositor Romulo Fróes e seu parceiro Clima parecem ter sentido o que Mariana precisava dizer e para ela fizeram "Nada Disso é Pra Você", carregada de significados. Nuno Ramos, outro da turma de Romulo, surge parceiro de Duani na delicada "Manhã Azul" e da própria Mariana na personalíssima "Tudo que Trago no Bolso". Luisa Maita, compositora afiada e cantora cheia de seus próprios méritos, entrega a Mariana "Beleza", um quase-transe sobre o transe de se cantar e vazar emoções a quem ouve. "Beleza", aliás, tem também a participação da cantora caboverdeana Mayra Andrade, misturando sua voz com a de Mariana em harmonia de arrepiar. "Tá?", parceria do casal Roberta Sá & Pedro Luis com o letrista Carlos Rennó, é divertido e esperto xote sobre o animal mais bes de toda fauna. Pra bom entendedor...

No centro das afirmações profundas do disco, surge "Peixes", do compositor gaúcho Nenung, da banda cult Os The Darma Lovers. Um grande achado, de sabedoria simples e arranjo hipnótico, com guitarras fortes e grito abafado. Mariana, ela mesma, escreve sobre escrever e encarar a página em branco para dizer o que não tem palavras, em "Palavras Não Falam". O arranjo de clima setentista, piano elétrico e sopros, mostra o quão à vontade a cantora sempre se encontra no groove.

Mariana compositora aparece também na real "Aqui em Casa", em parceria com o parceiro de casa Duani. Letra prosaica, ritmo orgânico e Mariana humana, sem máscaras de diva. A vontade de dizer a real da vida é mais um entendimento de Mariana como artista: se não for pra ser a mesma em disco, no palco, na vida, é porque há algo errado. O mesmo vale em "Pras Bandas de Lá", de Duani. E se não reparou até agora, é hora de notar: o disco segue até o fim evitando o clichê fácil de se cantar o amor óbvio. "Teu Amor é Falso" (mais uma de Duani) é a única composição no disco a falar do amor romântico - e surge quase como uma alegoria, negando o próprio amor romântico.

Muito se fala sobre o futuro da música brasileira, o papel da geração de hoje, a linha evolutiva da MPB. Muito se especula, muito se tenta, muito se esforça. Muito se prepara, pouco se vive. Com dois discos, Mariana já diz, faz, busca e encontra. Mais: com a naturalidade que lhe é inerente em tudo na vida. Peixes Pássaros Pessoas pode muito bem ser um disco pra afirmar e marcar um momento na música brasileira. Mas, mais que isso, é um disco pra marcar e afirmar um momento na vida de Mariana Aydar - e de quem se dispuser a ouvi-la.


Ouça 5 faixas de Peixes Pássaros Pessoas:
MP3: Mariana Aydar - Palavras Não Falam
MP3: Mariana Aydar - Tá?
MP3: Mariana Aydar - Peixes
MP3: Mariana Aydar e Mayra Andrade - Beleza
MP3: Mariana Aydar - Aqui em Casa

Ouça 4 faixas de Kavita 1:
MP3: Mariana Aydar - Candomblé
MP3: Mariana Aydar e Lecí Brandão - Zé do Caroco
MP3: Mariana Aydar - Vento no Canavial
MP3: Mariana Aydar - Onde Está Você?


O DISCO:
Peixes Pássaros Pessoas (Universal), de Mariana Aydar.
Produtores: Duani e Kassin.
Preço médio: R$ 25.



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Um comentário:

Anônimo disse...

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