Compartilhar é preciso?
Quem propaga informações pela internet vê seus arquivos, disponíveis para aquisição comercialmente ou não, desaparacerem. Tirar do ar os conteúdos resolverá a situação das gravadoras?
[Por Laila Abou Mahmoud, da Bravo!]
Os últimos capítulos da cruzada empreendida por gravadoras, estúdios e entidades anti-pirataria contra o compartilhamento de produtos culturais pela Internet mostram que a disputa no mundo virtual está mais forte do que nunca. Nessa segunda-feira, 16 de março, quase 756 mil membros da comunidade do orkut Discografias ficaram sem seu passaporte para baixar obras inteiras de artistas para download. Uma nota publicada no Orkut explica que o Google tomou essa decisão devido à pressão de órgãos de defesa de direitos autorais como a APCM (Associação Antipirataria de Cinema e Música).
Não é a primeira vez que sites que compartilham áudios e vídeos - muitos deles não acessíveis comercialmente - são tirados do ar. Canais do YouTube como o Aberturas de Novelas e o blog Som Barato foram fechados em condições aparentemente semelhantes. Ambos foram notificados e, de acordo com seus donos, respeitaram os avisos, tirando imediatamente do ar os conteúdos considerados ilegais. Mesmo assim, foram eliminados da rede.
O analista de sistemas Bruno Rodrigues foi um dos que viu seu site sumir de repente. Ele comandou o blog Som Barato até seu conteúdo ser excluído, em setembro de 2008. O endereço contabilizava um total de 6 milhões de visitas, com uma média diária de 10 mil pageviews. Era um ponto de encontro de amantes de música brasileira com pouco mais de 2 mil álbuns disponíveis para download. "O site disponibilizava um acervo de frevo e música psicodélica setentista recifense, por exemplo, que não existia em outro lugar na internet, muito menos no mercado", conta Rodrigues.
A notificação que causou o encerramento da conta estava relacionada a discos comercializados pela Biscoito Fino. Rodrigues explica que o site continha 25 discos do catálogo da gravadora e, por isso, foi notificado pelo departamento jurídico do Google. "Eu prontamente tirei, porque a ideia nunca foi peitar gravadora", diz, lembrando ainda que o site era uma forma de divulgação dos artistas. "Nos sentimos na liberdade de postar uma nota de repúdio ao pedido da gravadora, que na nossa opinião, só tem a perder mercado se continuar se mostrando alheia à internet e sua evidente troca de mídias", argumenta.
Hoje, o Som Barato ainda existe, capitaneado por outras pessoas. E a questão da legalidade foi contornada por meio da tecnologia BitTorrent. "O novo site é apenas um apontador para arquivos torrents que são postados pelos leitores em servidores do Pirate Bay, que não tem nada a ver com o Som Barato", conta. Essa tecnologia tem sido cada vez mais adotada pelos deletados virtuais. Isso porque, como se trata de uma rede completamente descentralizada, em que vários usuários ao mesmo tempo enviam e recebem pedaços de arquivos de várias pessoas, há uma grande dificuldade de culpabilizar uma única pessoa pelo download. Ou de tirar os conteúdos do ar.
Fabio Sexugi, o criador do Canal Aberturas de Novelas, também afirmou ter se disposto a obedecer à notificação da Sony que reportava conteúdo supostamente ilegal - um vídeo de 15 segundos que mostrava a Turma do Balão Mágico cantando com Fábio Jr. "Era um trechinho que nem chegava ao refrão", diz o aficcionado por aberturas de novelas que as gravava em fitas VHS desde a década de 90. Mesmo assim, em 29 de janeiro desse ano o canal, então com 1244 vídeos, foi tirado do ar. Pouco depois de outro semelhante, o Mofo TV, ter sido apagado e, dias mais tarde, migrar para o MySpace. O canal nasceu de uma comunidade que conta até hoje com mais de 10 mil membros no Orkut.
O responsável por 90% do material do Aberturas de Novela condena o prejuízo do lucro de gravadoras, estúdios e redes de TV. Por isso mesmo, deixava um recado no site explicando que não era para usuários copiarem os trechos, apenas para assisti-los. E afirma não entender o porquê da proibição do conteúdo pelo qual foi notificado. "Não acredito que a Sony tenha interesse em relançar esse vídeo", diz. Hoje ele estuda a possibilidade de colocar novamente os conteúdos no ar, mas ainda não decidiu onde e em qual formato. Ironicamente, os arquivos gravados por Sexugi estão disponíveis ainda hoje na rede graças à desobediência dos usuários, que os disponibilizam agora em outros canais e sites.
Sexugi é professor de latim, morador de Peabiru (PR). Ele postava seus vídeos na hora do almoço e em outras folgas. Assim como ele, a grande maioria dos que disponibilizam esses materiais não são remunerados para isso. "A motivação é compartilhar, ter contatos com outras pessoas que gostam dos mesmos conteúdos", explica o criador do Aberturas de Novelas que ficou conhecido por, ao final de cada vídeo, colocar imagens de pessoas desaparecidas.
Outro site que teve seu fechamento solicitado pela APCM foi o Legendas.tv, ferramenta fundamental para os fãs de séries que não falam inglês. No início de fevereiro ele foi notificado, mas não chegou a fechar definitivamente. Os organizadores preferiram migrar de datacenter e, hoje, a hospedagem depende do julgamento do Pirate Bay, na Suécia.
Procurado pela reportagem, o Youtube afirmou apenas que não comenta casos específicos, mas que o procedimento padrão é excluir os conteúdos somente após três violações dos termos de uso - o que não se encaixaria em muitos dos casos relatados.
Para o doutor em direito das relações sociais e especialista em direito de comunicação Cláudio José Langroiva Pereira, "a sociedade é muito mais rápida que a legislação". Segundo ele, uma das primeiras atitudes possíveis para as gravadoras retomarem suas vendas é baixar os preços. E repensar seus modelos de negócios. O especialista afirma que a legislação ainda não dá conta das potencialidades das ferramentas de troca e que não há jurisprudência sobre essas questões. O que significa na prática que, assim como o Google pode decidir tirar conteúdos do ar ao ser pressionado por gravadoras e associações anti-pirataria, um conteúdo disponibilizado de forma pública, desde que não seja usado para obter lucro, pode ser copiado para uso doméstico sem que isso seja considerado crime.
E são baixados. E alguns músicos já mostram ser a favor disso. A contragosto das gravadoras, artistas como Ed O'Brien, do Radiohead, Annie Lennox e Billie Bragg defendem os internautas que compartilham músicas pela Internet. Na semana passada, a The Featured Artists Coalition, que reúne mais de 140 bandas e cantores, se manifestou contra o projeto de lei que criminaliza fãs por baixar músicas.
Mesmo com os fechamentos consecutivos de canais, blogs e outros sites, grandes gravadoras como Warner Music, Sony BMG e EMI registram prejuízos consecutivos em alguns de seus últimos balanços. O que aponta que gastar menos energias censurando conteúdos e, em vez disso, pensar em novos modelos de negócios que aproveitem a internet para a promoção e venda de seus artistas pode gerar melhores resultados. Até para sua imagem.
CDs & MP3s:
• BuscaPé
• MercadoLivre
• Submarino
• Amazon
• CD Universe
• Insound
• 7digital
Quem propaga informações pela internet vê seus arquivos, disponíveis para aquisição comercialmente ou não, desaparacerem. Tirar do ar os conteúdos resolverá a situação das gravadoras?
[Por Laila Abou Mahmoud, da Bravo!]
Os últimos capítulos da cruzada empreendida por gravadoras, estúdios e entidades anti-pirataria contra o compartilhamento de produtos culturais pela Internet mostram que a disputa no mundo virtual está mais forte do que nunca. Nessa segunda-feira, 16 de março, quase 756 mil membros da comunidade do orkut Discografias ficaram sem seu passaporte para baixar obras inteiras de artistas para download. Uma nota publicada no Orkut explica que o Google tomou essa decisão devido à pressão de órgãos de defesa de direitos autorais como a APCM (Associação Antipirataria de Cinema e Música).
Não é a primeira vez que sites que compartilham áudios e vídeos - muitos deles não acessíveis comercialmente - são tirados do ar. Canais do YouTube como o Aberturas de Novelas e o blog Som Barato foram fechados em condições aparentemente semelhantes. Ambos foram notificados e, de acordo com seus donos, respeitaram os avisos, tirando imediatamente do ar os conteúdos considerados ilegais. Mesmo assim, foram eliminados da rede.
O analista de sistemas Bruno Rodrigues foi um dos que viu seu site sumir de repente. Ele comandou o blog Som Barato até seu conteúdo ser excluído, em setembro de 2008. O endereço contabilizava um total de 6 milhões de visitas, com uma média diária de 10 mil pageviews. Era um ponto de encontro de amantes de música brasileira com pouco mais de 2 mil álbuns disponíveis para download. "O site disponibilizava um acervo de frevo e música psicodélica setentista recifense, por exemplo, que não existia em outro lugar na internet, muito menos no mercado", conta Rodrigues.
A notificação que causou o encerramento da conta estava relacionada a discos comercializados pela Biscoito Fino. Rodrigues explica que o site continha 25 discos do catálogo da gravadora e, por isso, foi notificado pelo departamento jurídico do Google. "Eu prontamente tirei, porque a ideia nunca foi peitar gravadora", diz, lembrando ainda que o site era uma forma de divulgação dos artistas. "Nos sentimos na liberdade de postar uma nota de repúdio ao pedido da gravadora, que na nossa opinião, só tem a perder mercado se continuar se mostrando alheia à internet e sua evidente troca de mídias", argumenta.
Hoje, o Som Barato ainda existe, capitaneado por outras pessoas. E a questão da legalidade foi contornada por meio da tecnologia BitTorrent. "O novo site é apenas um apontador para arquivos torrents que são postados pelos leitores em servidores do Pirate Bay, que não tem nada a ver com o Som Barato", conta. Essa tecnologia tem sido cada vez mais adotada pelos deletados virtuais. Isso porque, como se trata de uma rede completamente descentralizada, em que vários usuários ao mesmo tempo enviam e recebem pedaços de arquivos de várias pessoas, há uma grande dificuldade de culpabilizar uma única pessoa pelo download. Ou de tirar os conteúdos do ar.
Fabio Sexugi, o criador do Canal Aberturas de Novelas, também afirmou ter se disposto a obedecer à notificação da Sony que reportava conteúdo supostamente ilegal - um vídeo de 15 segundos que mostrava a Turma do Balão Mágico cantando com Fábio Jr. "Era um trechinho que nem chegava ao refrão", diz o aficcionado por aberturas de novelas que as gravava em fitas VHS desde a década de 90. Mesmo assim, em 29 de janeiro desse ano o canal, então com 1244 vídeos, foi tirado do ar. Pouco depois de outro semelhante, o Mofo TV, ter sido apagado e, dias mais tarde, migrar para o MySpace. O canal nasceu de uma comunidade que conta até hoje com mais de 10 mil membros no Orkut.
O responsável por 90% do material do Aberturas de Novela condena o prejuízo do lucro de gravadoras, estúdios e redes de TV. Por isso mesmo, deixava um recado no site explicando que não era para usuários copiarem os trechos, apenas para assisti-los. E afirma não entender o porquê da proibição do conteúdo pelo qual foi notificado. "Não acredito que a Sony tenha interesse em relançar esse vídeo", diz. Hoje ele estuda a possibilidade de colocar novamente os conteúdos no ar, mas ainda não decidiu onde e em qual formato. Ironicamente, os arquivos gravados por Sexugi estão disponíveis ainda hoje na rede graças à desobediência dos usuários, que os disponibilizam agora em outros canais e sites.
Sexugi é professor de latim, morador de Peabiru (PR). Ele postava seus vídeos na hora do almoço e em outras folgas. Assim como ele, a grande maioria dos que disponibilizam esses materiais não são remunerados para isso. "A motivação é compartilhar, ter contatos com outras pessoas que gostam dos mesmos conteúdos", explica o criador do Aberturas de Novelas que ficou conhecido por, ao final de cada vídeo, colocar imagens de pessoas desaparecidas.
Outro site que teve seu fechamento solicitado pela APCM foi o Legendas.tv, ferramenta fundamental para os fãs de séries que não falam inglês. No início de fevereiro ele foi notificado, mas não chegou a fechar definitivamente. Os organizadores preferiram migrar de datacenter e, hoje, a hospedagem depende do julgamento do Pirate Bay, na Suécia.
Procurado pela reportagem, o Youtube afirmou apenas que não comenta casos específicos, mas que o procedimento padrão é excluir os conteúdos somente após três violações dos termos de uso - o que não se encaixaria em muitos dos casos relatados.
Para o doutor em direito das relações sociais e especialista em direito de comunicação Cláudio José Langroiva Pereira, "a sociedade é muito mais rápida que a legislação". Segundo ele, uma das primeiras atitudes possíveis para as gravadoras retomarem suas vendas é baixar os preços. E repensar seus modelos de negócios. O especialista afirma que a legislação ainda não dá conta das potencialidades das ferramentas de troca e que não há jurisprudência sobre essas questões. O que significa na prática que, assim como o Google pode decidir tirar conteúdos do ar ao ser pressionado por gravadoras e associações anti-pirataria, um conteúdo disponibilizado de forma pública, desde que não seja usado para obter lucro, pode ser copiado para uso doméstico sem que isso seja considerado crime.
E são baixados. E alguns músicos já mostram ser a favor disso. A contragosto das gravadoras, artistas como Ed O'Brien, do Radiohead, Annie Lennox e Billie Bragg defendem os internautas que compartilham músicas pela Internet. Na semana passada, a The Featured Artists Coalition, que reúne mais de 140 bandas e cantores, se manifestou contra o projeto de lei que criminaliza fãs por baixar músicas.
Mesmo com os fechamentos consecutivos de canais, blogs e outros sites, grandes gravadoras como Warner Music, Sony BMG e EMI registram prejuízos consecutivos em alguns de seus últimos balanços. O que aponta que gastar menos energias censurando conteúdos e, em vez disso, pensar em novos modelos de negócios que aproveitem a internet para a promoção e venda de seus artistas pode gerar melhores resultados. Até para sua imagem.
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