Pablo Honey, obra-prima do Radiohead
[Por Eduardo Palandi do blog Life In Slow Motion para o site Scream & Yell]
Antes de começar a falar sobre “Pablo honey”, primeiro disco do Radiohead (e já lá vão quinze anos), deixe-me fazer uma pergunta: ao entrar nesse texto, você soltou alguma coisa do tipo “lá vem a ovelha negra”? Bom, se não falou ou pensou isso, alguém aí deve ter falado. Radiohead, em qualquer conversa, é quase sinônimo da trinca “The Bends” / “OK Computer” / “Kid A”; um ou outro vai falar do “Hail to the thief”, alguém vai achar o “In Rainbows” genial. Mas da estréia do quinteto, ninguém fala.
Vacilo. Tenho todos os álbuns do Radiohead e descobri há dois anos que o meu preferido é o “Pablo Honey”. Heresia? Depende. A coisa que mais me prende em um disco geralmente é a sinceridade do artista nele. Como nas estréias de Ramones e Sex Pistols, como em “Scott 4”, do Scott Walker, em “Summerteeth”, do Wilco, no “A New Morning”, do Suede… e a lista segue. E, por mais que o Radiohead tenha se tornado genial na dupla “OK Computer” / “Kid A”, ele nunca foi tão sincero quanto na estréia.
A banda assinou com a Parlophone em meados de 1992 e lançou alguns singles que não geraram grande comoção no Reino Unido. Entraram para gravar o primeiro disco sob o descrédito do próprio selo, sem qualquer crítica apaixonada nem legiões de fãs. Esse “desprezo” por parte do mundo fez com que o grupo, aliado a uma produção competentíssima e pouco comentada, desse tudo de si nas sessões de “Pablo Honey” e saísse de lá com um disco que reflete todas as angústias dos cinco jovens integrantes e, ao mesmo tempo, o desprezo coletivo que parecia se abater sobre eles.
“Pablo Honey” abre com “You”, uma balada de amor obsessivo coberta por guitarras apocalípticas. Thom Yorke diz que ela é o sol e a lua e as estrelas, e que ele nunca poderia fugir dela, que faz tudo funcionar em meio ao caos, enquanto ele não acredita em si mesmo. Palhetadas. Berros. “É como se o mundo fosse acabar em breve”, enquanto Jonny e Colin Greenwood mantém uma tensão permanente. Segue-se “Creep”, outro hino da baixa auto-estima e a única música do disco que ainda é tocada ao vivo, ao ritmo de uma vez a cada vinte apresentações. Se tocarem no Brasil, será bonito: dezenas de trintões cantando “mas eu sou um feio, sou um esquisito / que diabos eu tô fazendo aqui? / eu não sou daqui”. Se não tocarem, a versão do disco, que os produtores Paul Q. Kolderie e Sean Slade acharam que era cover do grande Scott Walker, dá conta do recado.
“How Do You” conta, em terceira pessoa e em dois minutos, a vida de um mala metido a gostosão, que vive com a mãe, sacaneia os amigos. Provavelmente, foi escrita para algum desafeto. A cada refrão, Thom repete “e você?”, como se quisesse saber qual é a do ouvinte. Logo depois, “Stop Whispering”, a única faixa ruim do disco, cuja letra é mais uma prova do momento loser pelo qual Thom Yorke passava: “e minha mãe diz ‘nós cuspimos no seu filho mais um pouco’ / e os prédios dizem ‘nós cuspimos na sua cara mais um pouco’”. Deprimente. Um dos fansites do Radiohead diz que esta canção é uma homenagem aos Pixies, tentando soar como eles. A sensação de inadequação segue com “Thinking About You” e sua bela levada de violão: fala sobre ser deixado por alguém que virou famoso. Pouco se sabe sobre a vida amorosa dos cabeças de rádio, ainda mais numa fase tão derrotista – não deve, portanto, ser baseada em experiências próprias de ninguém da banda.
A primeira metade do disco é encerrada com o humor de “Anyone Can Play Guitar”, sacaneando os rock stars e repetindo “I wanna be, I wanna be, I wanna be Jim Morrison”, em pleno deboche. A essa altura, percebe-se que a estrutura musical das canções do início da carreira do Radiohead, sempre com duas ou três guitarras, baixo e bateria e no formato versos – refrão – versos, fazem pensar que a banda que gravou o “Kid A” não é nem do mesmo planeta que a do “Pablo Honey”. Mas o valor de Thom Yorke cantando “cá estamos, com nossa correria e confusão / e eu não consigo mais deixar de ver a confusão” vale por toda a carreira do grupo no século XXI.
O lado 2 abre com “Ripcord” e sua explosão grunge: a letra é sobre o contrato conseguido com a gravadora e a falta de perspectivas para a vida; há uma beleza indescritível nas guitarras dessa música, e nos sonhos que a letra traz ao ouvinte; o contrato ressurge na faixa seguinte, “Vegetable”, que fala das brigas com quem não acreditava no potencial do Radiohead. Antes de detalhar a canção, a sentença: “Vegetable” é linda. Tem a melhor performance vocal de Thom Yorke, um dos riffs de guitarra mais legais que alguém já colocou na abertura de uma música e uma letra simples e direta. Até cheguei a fazer uma versão, em português de Portugal, mas não mostro nem sob tortura. O texto original é agressivo como todo o disco:
Eu nunca quis nada além disso
Eu trabalhei duro, tentei duro
Eu contornei disputas domésticas
Eu lutei duro, morri duro
(…)
Toda vez que foges pra longe de mim
Toda vez que corres, eu posso ver
Que não sou um vegetal
Eu não vou me controlar
Eu cuspo na mão que me alimenta
Eu não vou me controlar.
(…)
Depois de tanto insistirem, eles estavam contratados e agora (com razão) jogavam isso na cara de quem não acreditou, para voltarem em “Prove Yourself” dizendo que não agüentavam mais respirar nessa cidade e que trabalham, sangram, ajoelham e rezam, mas preferiam estar mortos. Ah, a inadequação juvenil… o fato é que a banda logo parou de tocar “Prove Yourself” ao vivo, por se espantarem com a molecada repetindo “I’m better off dead” (risos).
Só uma banda tão loser poderia batizar uma canção de “I Can’t” (“eu não posso”), e ainda começar pedindo: “por favor, esqueça as palavras que vomitei / não era eu, era minha dúvida, feia e estranha”. E que, logo depois, cometeria outra obra-prima da auto-estima zero, de nome “Lurgee”:
Eu me sinto melhor
Eu me sinto melhor agora que você se foi
Eu estou melhor,
Eu estou melhor, eu estou mais forte
Eu me sinto melhor
Eu me sinto melhor agora que não há nada de errado
Eu estou melhor
Eu estou melhor, eu estou mais forte
Conte-me algo
Conte-me algo que eu não sei
Conte-me uma coisa
Conte-me uma coisa, deixe ir
Você já esteve numa situação dessas, de estar com alguém, não saber como agir e querer ir embora? Ou então de saber o que fazer mas simplesmente desejar que essa pessoa estivesse bem longe? Não responda em voz alta, por favor. É triste, mas é comum. Como já disse um amigo, “no amor não existem saídas, ninguém está certo ou errado, não existem regras. Existe você e existe quem você ama”. Feche os olhos, ouça a guitarra de “Lurgee” (gíria para doenças infecto-contagiosas) e boa sorte com o seu amor. E o disco fecha com “Blow Out”, uma fria canção de ninar que diz, entre outras coisas, “o tempo todo matando o que sinto” e “tudo que eu toco vira pedra”. Menos o coração de quem ouve o encerramento do disco.
Gastei todas essas linhas apenas para dizer que o que o Radiohead fez em “Pablo Honey” é se mostrar, sem vergonha nenhuma, sem se importar com o que os outros diriam, sem enfeitar seu som. Uma crueza difícil de se encontrar, um momento que a banda igualaria em qualidade em “OK computer” e “Kid A”, mas jamais em sinceridade.
Radiohead
Pablo Honey
(1993)
1. You
2. Creep
3. How Do You?
4. Stop Whispering
5. Thinking About You
6. Anyone Can Play Guitar
7. Ripcord
8. Vegetable
9. Prove Yourself
10. I Can't
11. Lurgee
12. Blow Out
Links: radiohead.com, myspace, okradiohead
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[Por Eduardo Palandi do blog Life In Slow Motion para o site Scream & Yell]
Antes de começar a falar sobre “Pablo honey”, primeiro disco do Radiohead (e já lá vão quinze anos), deixe-me fazer uma pergunta: ao entrar nesse texto, você soltou alguma coisa do tipo “lá vem a ovelha negra”? Bom, se não falou ou pensou isso, alguém aí deve ter falado. Radiohead, em qualquer conversa, é quase sinônimo da trinca “The Bends” / “OK Computer” / “Kid A”; um ou outro vai falar do “Hail to the thief”, alguém vai achar o “In Rainbows” genial. Mas da estréia do quinteto, ninguém fala.
Vacilo. Tenho todos os álbuns do Radiohead e descobri há dois anos que o meu preferido é o “Pablo Honey”. Heresia? Depende. A coisa que mais me prende em um disco geralmente é a sinceridade do artista nele. Como nas estréias de Ramones e Sex Pistols, como em “Scott 4”, do Scott Walker, em “Summerteeth”, do Wilco, no “A New Morning”, do Suede… e a lista segue. E, por mais que o Radiohead tenha se tornado genial na dupla “OK Computer” / “Kid A”, ele nunca foi tão sincero quanto na estréia.
A banda assinou com a Parlophone em meados de 1992 e lançou alguns singles que não geraram grande comoção no Reino Unido. Entraram para gravar o primeiro disco sob o descrédito do próprio selo, sem qualquer crítica apaixonada nem legiões de fãs. Esse “desprezo” por parte do mundo fez com que o grupo, aliado a uma produção competentíssima e pouco comentada, desse tudo de si nas sessões de “Pablo Honey” e saísse de lá com um disco que reflete todas as angústias dos cinco jovens integrantes e, ao mesmo tempo, o desprezo coletivo que parecia se abater sobre eles.
“Pablo Honey” abre com “You”, uma balada de amor obsessivo coberta por guitarras apocalípticas. Thom Yorke diz que ela é o sol e a lua e as estrelas, e que ele nunca poderia fugir dela, que faz tudo funcionar em meio ao caos, enquanto ele não acredita em si mesmo. Palhetadas. Berros. “É como se o mundo fosse acabar em breve”, enquanto Jonny e Colin Greenwood mantém uma tensão permanente. Segue-se “Creep”, outro hino da baixa auto-estima e a única música do disco que ainda é tocada ao vivo, ao ritmo de uma vez a cada vinte apresentações. Se tocarem no Brasil, será bonito: dezenas de trintões cantando “mas eu sou um feio, sou um esquisito / que diabos eu tô fazendo aqui? / eu não sou daqui”. Se não tocarem, a versão do disco, que os produtores Paul Q. Kolderie e Sean Slade acharam que era cover do grande Scott Walker, dá conta do recado.
“How Do You” conta, em terceira pessoa e em dois minutos, a vida de um mala metido a gostosão, que vive com a mãe, sacaneia os amigos. Provavelmente, foi escrita para algum desafeto. A cada refrão, Thom repete “e você?”, como se quisesse saber qual é a do ouvinte. Logo depois, “Stop Whispering”, a única faixa ruim do disco, cuja letra é mais uma prova do momento loser pelo qual Thom Yorke passava: “e minha mãe diz ‘nós cuspimos no seu filho mais um pouco’ / e os prédios dizem ‘nós cuspimos na sua cara mais um pouco’”. Deprimente. Um dos fansites do Radiohead diz que esta canção é uma homenagem aos Pixies, tentando soar como eles. A sensação de inadequação segue com “Thinking About You” e sua bela levada de violão: fala sobre ser deixado por alguém que virou famoso. Pouco se sabe sobre a vida amorosa dos cabeças de rádio, ainda mais numa fase tão derrotista – não deve, portanto, ser baseada em experiências próprias de ninguém da banda.
A primeira metade do disco é encerrada com o humor de “Anyone Can Play Guitar”, sacaneando os rock stars e repetindo “I wanna be, I wanna be, I wanna be Jim Morrison”, em pleno deboche. A essa altura, percebe-se que a estrutura musical das canções do início da carreira do Radiohead, sempre com duas ou três guitarras, baixo e bateria e no formato versos – refrão – versos, fazem pensar que a banda que gravou o “Kid A” não é nem do mesmo planeta que a do “Pablo Honey”. Mas o valor de Thom Yorke cantando “cá estamos, com nossa correria e confusão / e eu não consigo mais deixar de ver a confusão” vale por toda a carreira do grupo no século XXI.
O lado 2 abre com “Ripcord” e sua explosão grunge: a letra é sobre o contrato conseguido com a gravadora e a falta de perspectivas para a vida; há uma beleza indescritível nas guitarras dessa música, e nos sonhos que a letra traz ao ouvinte; o contrato ressurge na faixa seguinte, “Vegetable”, que fala das brigas com quem não acreditava no potencial do Radiohead. Antes de detalhar a canção, a sentença: “Vegetable” é linda. Tem a melhor performance vocal de Thom Yorke, um dos riffs de guitarra mais legais que alguém já colocou na abertura de uma música e uma letra simples e direta. Até cheguei a fazer uma versão, em português de Portugal, mas não mostro nem sob tortura. O texto original é agressivo como todo o disco:
Eu nunca quis nada além disso
Eu trabalhei duro, tentei duro
Eu contornei disputas domésticas
Eu lutei duro, morri duro
(…)
Toda vez que foges pra longe de mim
Toda vez que corres, eu posso ver
Que não sou um vegetal
Eu não vou me controlar
Eu cuspo na mão que me alimenta
Eu não vou me controlar.
(…)
Depois de tanto insistirem, eles estavam contratados e agora (com razão) jogavam isso na cara de quem não acreditou, para voltarem em “Prove Yourself” dizendo que não agüentavam mais respirar nessa cidade e que trabalham, sangram, ajoelham e rezam, mas preferiam estar mortos. Ah, a inadequação juvenil… o fato é que a banda logo parou de tocar “Prove Yourself” ao vivo, por se espantarem com a molecada repetindo “I’m better off dead” (risos).
Só uma banda tão loser poderia batizar uma canção de “I Can’t” (“eu não posso”), e ainda começar pedindo: “por favor, esqueça as palavras que vomitei / não era eu, era minha dúvida, feia e estranha”. E que, logo depois, cometeria outra obra-prima da auto-estima zero, de nome “Lurgee”:
Eu me sinto melhor
Eu me sinto melhor agora que você se foi
Eu estou melhor,
Eu estou melhor, eu estou mais forte
Eu me sinto melhor
Eu me sinto melhor agora que não há nada de errado
Eu estou melhor
Eu estou melhor, eu estou mais forte
Conte-me algo
Conte-me algo que eu não sei
Conte-me uma coisa
Conte-me uma coisa, deixe ir
Você já esteve numa situação dessas, de estar com alguém, não saber como agir e querer ir embora? Ou então de saber o que fazer mas simplesmente desejar que essa pessoa estivesse bem longe? Não responda em voz alta, por favor. É triste, mas é comum. Como já disse um amigo, “no amor não existem saídas, ninguém está certo ou errado, não existem regras. Existe você e existe quem você ama”. Feche os olhos, ouça a guitarra de “Lurgee” (gíria para doenças infecto-contagiosas) e boa sorte com o seu amor. E o disco fecha com “Blow Out”, uma fria canção de ninar que diz, entre outras coisas, “o tempo todo matando o que sinto” e “tudo que eu toco vira pedra”. Menos o coração de quem ouve o encerramento do disco.
Gastei todas essas linhas apenas para dizer que o que o Radiohead fez em “Pablo Honey” é se mostrar, sem vergonha nenhuma, sem se importar com o que os outros diriam, sem enfeitar seu som. Uma crueza difícil de se encontrar, um momento que a banda igualaria em qualidade em “OK computer” e “Kid A”, mas jamais em sinceridade.
Radiohead
Pablo Honey
(1993)
1. You
2. Creep
3. How Do You?
4. Stop Whispering
5. Thinking About You
6. Anyone Can Play Guitar
7. Ripcord
8. Vegetable
9. Prove Yourself
10. I Can't
11. Lurgee
12. Blow Out
Links: radiohead.com, myspace, okradiohead
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