Caça aos blogs...

Nesses últimos meses vem se itensificando à caça aos blogs de música por parte das grandes gravadoras, desesperadas com sua perda de poder (leia-se 'grana'). Ótimos blogs já foram retirados do ar, outros estão sendo ameaçados. A tal da DMCA solicita a retirada do ar de posts em todos os blogs. Tratam os blogueiros como inimigos da música (no caso das gravadoras, leia-se 'grana').

Ora, o que os blogueiros fazem e muito bem é divulgar a boa música. Antes, quem tinha os discos (LPs, depois CDs) emprestava ou gravava (K7s, depois CDRs) pros amigos, sempre houve essa troca de informação.

Quando penso no caminho que as grandes gravadoras tomaram, sempre me vem à cabeça, a imagem da cobra que vai engulindo tudo pelo caminho, dando a volta e engolindo o próprio rabo e assim, vai se devorando até não ter mais cobra.

Vejamos, primeiro grande golpe, quando foi lançado no mercado o CD, este custava, em média, o dobro do preço dos LPs, preços já altos para os padrões da época, sendo que se custava muito menos para fabricar um CD.

A fabricação em si só determina uma pequena quantia no preço dos CDs/LPs. É claro, gravação, produção, marketing e outros custos comtribuem muito mais no alto preço do LP/CD. Mas o que contribui muito mais, é a ganância desenfreada. Para se ter uma idéia, os artistas mais importantes não ficam nem com 10% no preço do CD/LP.

Deixo aqui, dois textos muito interessantes à respeito do tema:


Gravadoras X Internet
(por Daniel Brazil da Revista Música Brasileira)

Um dos grandes ganhos para os pesquisadores e amantes da música brasileira foi a proliferação de sites e blogs de trocas de músicas. Preciosidades voltaram a circular, antigos LPs ganharam versão digital, e centenas de milhares de pessoas puderam ter acesso a um acervo inestimável, que certamente motivou muita gente a comprar, pedir e cobrar de lojistas, que por sua vez pressionaram gravadoras, que algumas vezes relançaram parte do acervo que mantinham fora de circulação por ser “pouco comercial”.

Mas evidentemente as trocas pela Internet não se limitam às gravações esgotadas. A facilidade de circulação de informações e downloads faz com que os fãs de música troquem gravações caseiras, registros ao vivo e, claro, músicas em catálogo e lançamentos recentes.

Um fã de música brasileira que more numa das centenas de pequenas cidades do interior do Brasil não tem acesso a lojas de disco, ou conta com uma oferta restrita apenas aos sucessos radiofônicos. Estas trocas aumentam a curiosidade, estimulam as vendas, promovem a divulgação.

Evidentemente, as gravadoras pensam o contrário. Preocupadas com a revolução digital inexorável que vem mudando as regras do comércio musical, tentam vetar, impedir, proibir a circulação de músicas pela Internet. Ou pelo menos buscam uma forma de taxar, lucrar com essa onda.

Há muitos e bons blogs de música brasileira na Internet. Não tenho vergonha de dizer que várias gravações que aqui comentei foram ouvidas pela primeira vez de forma gratuita, baixadas na rede. Não tenho dúvida de que muita gente leu, ficou interessado, foi até uma loja e comprou o CD. Não ganhei nada com isso, mas a gravadora certamente teve lucro. Ou seja: divulgar o produto de graça é bom, não parece?

Pois não é assim que pensam. Agora mesmo um dos melhores blogs de música brasileira, o Um Que Tenha (www.umquetenha.blogspot.com) está ameaçado de sair do ar. Veja o que escreveu no dia 24 de outubro de 2008 o responsável pelo riquíssimo acervo ali disponível:

“Assim como ocorreu com o Som Barato, o Um Que Tenha acaba de receber uma notificação de que publicou material que viola os direitos autorais, material este que foi retirado do ar, em junho passado, a pedido de Guilherme Viotti, da gravadora Biscoito Fino. Tal como ocorreu com o Som Barato, é o prenúncio de que, de uma hora para outra, o blog será retirado do ar.”

Se a ameaça se concretizar, será uma grande perda. Encontrei no Um Que Tenha discos raríssimos, obras que só haviam sido lançadas no exterior, músicas instrumentais brasileiras gravadas por jazzistas do mundo inteiro, raridades fora de catálogo e, claro, alguns lançamentos que fiz questão de divulgar aqui na Revista Música Brasileira.

Os tempos estão mudando, já dizia Bob Dylan, lá pelos anos 60. As gravadoras ainda não entenderam que a indústria cultural está em transformação, e os modos de produção, difusão e fruição de música estão circulando por novos caminhos. Não se conformam de não mais vender milhões de discos como no tempo dos Beatles, e caem no círculo vicioso de aumentarem o preço para compensar as perdas, vendendo ainda menos por causa disso.

Se eu fosse dono de gravadora, e trabalhasse com um produto tão valioso como é a boa música brasileira – como, aliás, faz a Biscoito Fino, tantas vezes aplaudida aqui na RMB – enviaria cada novo lançamento para alguns blogs fundamentais, apostando no efeito multiplicador desses voluntários e incansáveis divulgadores, acessados por um público muito especial.

Fechar um espaço que presta um serviço tão valioso de informação é burrice. Não vão vender mais discos por causa disso. Mais e mais blogs se abrirão no lugar daquele que fechou. Acreditar no contrário é como tentar segurar a maré com as mãos. Faz lembrar os versos de Paulo César Pinheiro em Pesadelo (parceria com Mauricio Tapajós):

“Você vem me agarra, alguém vem me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é tua ela um dia é nossa”

Direitos autorais são muito discutíveis, principalmente num sistema onde sabidamente o autor fica com menos de 10% do resultado das vendas. No mundo inteiro este conceito vem passando por mudanças, muito por causa das novas mídias. Não é fechando canais de divulgação que o autor passará a ganhar mais. Felizmente, muito artista já percebeu isso, e coloca seu trabalho na rede, disponibiliza downloads, expõe sua cara nos You Tubes e My Spaces, correndo atrás do público. É por aí que vamos, pois como diz outro blogueiro, o Branco Leone, no futuro todo mundo vai ser famoso não por quinze segundos, mas para quinze pessoas. Se chegarmos a esse ponto, a existência de gravadoras – como conhecemos – não terá mais nenhum sentido.


Direito autoral é do autor? ou Saber morrer é uma virtude
(por Branco Leone do Um Blog Sem Conteúdo)

Naqueles filmes em que acontece o eterno combate entre o Bem e o Mal, é fácil distinguir bandidos de mocinhos: bandidos são aqueles que, encurralados e à beira da morte, atiram pra todo lado com a intenção de levar com eles o máximo de gente possível, sejam inocentes, inimigos, quem for. Até para confirmar a regra, aponto ‘Butch Cassidy’ como exceção, mas o normal é vermos o bandido, amarfanhado em seu último reduto, pistola vazia numa mão e um detonador na outra que, com um único gesto, mandará pelos ares tudo o que está entre o Cambuci e a Aclimação (dando a volta pelo outro lado do mundo, claro). Do outro lado estão os mocinhos, aqueles que, no instante anterior ao último, metem uma bala na cabeça do bandido, evitando o desastre final e, assim, permitindo que se continue a fazer filmes-merda como esses.

Ao assunto. Fiquei sabendo ontem que o blog Um que tenha, fonte onde bebo raras águas nos últimos tempos, corre o risco de ser tirado do ar por infração à tal Lei do Direito Autoral. Capaz que sim, capaz que não, mas tudo começou quando a gravadora Biscoito Fino (não confundir com Idelber, o Grande) pediu (digamos assim, vá lá) a exclusão dos links que remetiam a obras de artistas que representa. Não vou descer o pau na Biscoito porque ainda (ainda!) respeito a empresa e sua postura dentro desse mercado selvagem. Mas só por isso.

Não é a primeira vez que acontece algo assim. Vide a história de combate aos piratas que o Metallica impetra há tempos, alinhado aos furiosos tubarões da indústria fonográfica americana. Interessante notar que a pseudo-banda, assim como o AC/DC em outras décadas, tem lançado e relançado seu único disco dezenas de vezes, trocando-lhe apenas a capa. Numa análise simplista, é como se pirateassem a si mesmos. E isso, pode, claro, porque ninguém é obrigado a comprar o mesmo disco duas vezes. Compra quem quiser. Chamam a isso de “liberdade”. Ok.

Infelizmente, também não será a última vez que uma gravadora vai soltar — ou ameçar soltar — os cachorros em cima de alguém que esteja infringindo a Lei porque — seja neste ou em outros casos — basta combinar a tal Lei com a vontade de quem manda, e a Luz se fará. Um dia, espero, a Luz virá de uma purgante explosão atômica, que mandará toda essa burrice pro inferno, lugar onde se paga caro pra ouvir porcaria, e onde o autor — como que por vingança das Musas — não recebe um tostão por isso.

Noutro dia, passeando lá mesmo pelo Um que tenha, encontrei o cd que acompanha Timoneiro, livro escrito pelo amigo Alexandre Pavan (maridão da Carol Guindaste) sobre Hermínio Bello de Carvalho. Como eu não sabia da opinião de Pavan sobre o fato, escrevi-lhe informando o encontrado. A resposta de Pavan pode ser resumida em poucas palavras: “Eu sabia, e quero é mais! Quanto mais gente ouvir, melhor“. Sujeito inteligente.

Paulo Coelho, outro sujeito inteligente (alguém ainda duvida?), disse que só se deu bem no mercado russo depois que um de seus livros foi pirateado e distribuído a rodo pela Internet. Agora, com a fama construída gratuitamente, Coelho vende da mesma forma: a rodo. O filme Tropa de Elite é outro exemplo de beneficiado com aquilo que hoje se chama de Pirataria.

Quase dois séculos de implantação da Lei do Direito Autoral (no Brasil, mas em outros países não é muito mais tempo) precisam ser revistos mais uma vez. Aconteceu muita coisa nesse meio tempo. Livros, discos, textos teatrais, fotografias, ilustrações (e sei lá mais o quê), “produtos” que antes eram resultado de processos caros e complexos — detidos por investidores e produtores de cultura, incluindo muitos que mereceriam aspas, mas deixo assim —, podem hoje nem existir fisicamente mas circular por e-mail, sem nenhuma possibilidade de controle por parte de quem insiste em querer controlar alguma coisa.

É preciso perceber, rápida e definitivamente que, nesse meio tempo, a figura do investidor (leia “editor”) deixou de ser necessária. É possível escrever em casa, imprimir em casa, gravar em casa, copiar em casa, produzir e multiplicar em casa, divulgar e vender a partir de casa. É preciso que o artista perceba que não precisa mais se render a um intermediário que o publique, que não é preciso ficar refém de um pretenso poder de distribuição e divulgação, até porque esse poder está acabado ou, no mínimo, acabando. Já disse uma vez aqui, mas repito: Andy Warhol se enganou. No futuro (isto é, hoje), as pessoas não são famosas por quinze minutos, as pessoas só conseguem ser famosas para quinze pessoas. Por que empenhar sua obra e sua alma a um editor que a venderá para quinze pessoas, e só lhe repassará dez por cento? Mas isso é outro assunto.

É fácil perceber que há algo errado com a Lei do Direito Autoral quando se verifica quem a defende: ‘artistas’ fabricados e os megainvestidores por trás deles. Mas antes de sentar para redigir outra, é preciso lembrar que a Lei do Direito Autoral deve proteger o autor, porque hoje ele é o último dos urubus na fila desse banquete: dez por cento do que o investidor DIZ que vendeu, descontados disso e daquilo. E olhe lá.

E enquanto ninguém se resolve a mudar isso, as corporações (nem me refiro aqui à Biscoito Fino, longe disso) vão mexendo seus pauzinhos e derrubando um aqui outro ali, esperneando. Que derrubem muitos, mas antes de cairem todos, cairá também a lei do direito autoral e todos os vampiros que vivem dela. Alguém, por favor, lhes meta logo uma bala (de prata) no coração, em prol da Liberdade.


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