Revista Bizz: Fim de Jogo

Revista Bizz: Fim de Jogo (* por Cristiano Bastos)

Infelizmente, a revista Bizz - mais uma vez - sumiu de cena, ou melhor, das bancas. Que é a terceira ou quarta vez que a revista fecha suas portas, em mais de 20 anos entre idas e vindas, não é nenhuma novidade. Nos anos 80 e 90, período árido de informações da era pré-internet, a Bizz saciou com informações milhares de leitores amantes de música pop com a expertise de lendários colaboradores: Ana Maria Bahiana, José Augusto Lemos, Celso Pucci, André Forastieri e Thomas Pappon - só pra ficar em alguns. Era preciso esperar um mês inteiro pra buscar a nova edição da revista nas bancas - tempo que, pros mais fissurados, parecia não ter fim. Uma alternativa era comprar tablóides como Melody Maker e New Musical Express, no aeroporto, pra saber o que estava rolando no mainstream estrangeiro. Algo fora da realidade artística local.

Na real, é uma lástima que a Bizz tenha "soçobrado" (e não foi por falta de esforços da equipe comandada pelo editor Ricardo Alexandre) na sua breve reexistência - isso só prova a vulnerabilidade do mercado editorial brasileiro. Pior ainda, atesta uma vulnerabilidade ainda maior da imprensa brasileira especializada em música, que ficou com uma importante lacuna a ser ocupada - e não se sabe por quem, até agora. O trono está vago e não será ocupado pela Rolling Stone, por motivos óbvios: a linha editorial da RS não está circunscrita apenas aos domínios musicais. Basta ver as capas da revista - a última é Os Simpsons. Sites de "jornalismo" musical têm aos montes na web, contudo, são pouquíssimos os que cumprem o papel de serem legais, informativos e bem feitos ao mesmo tempo. A excessão heróica é o site SenhorF, que sozinho praticamente move a cena independente brasileira na mídia. Recém sepultada, a Bizz já causa saudades.

Bancarrota à parte (culpa da web, dos leitores, que não desembolsam uns trocados por uma revista, desinteresse, falta de anunciantes? Não importa), a Bizz foi o veículo de música que melhor soube forjar - do nada - uma identidade editorial própria. E isso, convenhamos, é um tanto complicado num país onde não se dá muita bola pra suas melhores instituições. Lembro quando, ainda adolescente, em 1987, comprei meu primeiro número da Bizz (que ainda tenho guardado) na rodoviária de Porto Alegre. Uma edição gordacha com o Duran Duran na capa.
O destino era Floripa, ônibus da meia-noite. Devorei aquele exemplar madrugada adentro com o mesmo labor que Jack London descreveu a respeito dos milhares de livros que leu insaciavelmente como única saída viável para ascender de proletário mal-pago a escritor engajado em causas universais. A analogia é meio exagerada, mas é mais ou menos por aí. Eu estava à cata de informações sobre o fabuloso mundo da música pop. Depois disso descobri e me interessei pelo jornalismo.

Na Bizz tomei contato com as bandas que amo incondicionalmente, em reportagens que, fora a informação, despertavam ainda mais a curiosidade. Provável que o primeiro facho de luz da minha adoração mística por Marc Bolan & T.Rex tenha sido lançado por textos da revista. Li o arrepiante testamento sobre o álbum The Slider escrito por Jean-Yves Neville e tive a alma irremediavelmente iniciada no mistério que circunda os grandes gênios do pop. Como brincou o quadrinista Joe Sacco na HQ Derrotista "Marc Bolan foi um enviado dos deuses para lembrarmos que somos todos crianças". Outra discoteca básica sedutora foi a do Surealistic Pillow, do Jefferson Airplaine. Depois de ler o texto ficava aquela impressão: Grace Slick, uma mulher num mundo de bandas masculinas, e ela compôs "White Rabbit" e "Somebody to Love"!? O jeito era conseguir o disco. Até hoje essa é (era) minha seção predileta.

Todas as grandes bandas que já pisaram suas botas de plataformas sobre a face da terra - ou aquelas que ao menos mereciam uma menção por terem pisado sobre a face da terra com algum barulho - desfilaram sua arte e glamour pelas páginas da Bizz. Houve um tempo (anos 80 e parte dos 90) em que Stooges, New York Dolls, Zombies, Bowie, Trashman e outros expoentes do rock eram tão novos quanto um walkman Sony em 1978 - se é que eles já existiam nessa época...

Aliás, esse atraso de informações, que caracteriza o rock nacional nos anos 80, tem a ver com isso: não existiam revistas. Nos anos 70, ganhamos uma versão pirata da Rolling Stone; depois, a Pop!, que começou bem, mas logo descambou pra uma espécie de Capricho unissex da música. Por causa dessa carência de informações, o Brasil do meio dos anos oitenta vivia uma onda New Wave old fashion, enquanto que, na Europa e nos Estados Unidos, o gênero esgotara-se há pelo menos uns cinco anos. O único consolo é que os gringos apenas estavam fazendo "lixo mais desenvolvido" - a menos que você considere a turma dos new romantics a coisa mais legal do planeta...Hoje, graças à internet, a anacronia é coisa do passado. O cara em Londres lança uma última tendência eletrônica e, por aqui, os filhotinhos já se proliferaram no dia seguinte. É até uma praga. E uma coisa lúdica da Bizz: qual leitor não colecionou as fichinhas que vinham encartadas na revista? Algumas fichas da minha coleção ainda estão lá, outras viraram descolados porta-copos do Sig-Sig Sputnik, Abba, Byrds, Crosby Stills Nash & Young, The Cramps.

A entrevista a seguir, com o guitarrista e vocalista do Mudhoney, Mark Arm, foi publicada na edição derradeira da revista - julho, capa dos Los Hermanos -, com o sugestivo nome de O Último Show (acredita-se que o título foi uma brincadeira com o iminente fim da revista). Arm, o boa-praça, um dos caras que iniciou o grunge em Seattle, fala sobre sua estante de discos e revela as coisas legais que anda ouvindo.

A entrevista rolou na última - a terceira - passagem do Mudhoney pelo Brasil. Com certeza um dos shows mais a fudê que vi em toda a minha vida. Aquele show de 2002 no Teatro de Elis, em Porto Alegre. Todo mundo pogando em felicidade fuzz: Benvenutti, Talitha Jones, Carlinhos, Fidel, Caíco, Alisson - velhos amigos e parceiros de beligerância roqueira. Depois do show, Mark Arm foi assistir Os Replicantes no bar Garagem Hermética (o antigo, ainda) e curtiu um monte a tosqueira da banda gaúcha. Certo amigo nosso até fumou um cigarrinho do diabo com o cara no desenrolar daquela madrugada gélida de Porto Alegre. Anos mais tarde, presenciei Mark Arm fazendo os vocais do falecido Robin Tyner no retorno do MC5, em São Paulo, e ele segurou a onda legal. Foi carregado pelo público do Campary Rock. E, meses atrás, no festival Porão do Rock, em Brasília.

Outra matéria que publiquei na última edição da revista, seção Tesouros Perdidos, foi sobre o disco Young, Loud and Snooty, dos Dead Boys, que nunca tinham aparecido nas páginas da Bizz - por causa disso, fico feliz de tê-la escrito. Afinal, todas as grandes bandas que caminharam sobre a face da terra - um dia - saíram na BIZZ.


Entrevista Mark Arm:

- Todo mundo sabe que Mark Arm é um fissurado colecionador de discos de rock. Na sua terceira vinda ao Brasil, com o Mudhoney, ele abriu o jogo sobre os seus álbuns prediletos, o que anda ouvindo e destacou, entre os seus dez mais, a banda carioca Os Brasões, um registro raro da psicodelia brasileira.

- Qual álbum da primeira era piscodélica não sai nem a pau do seu player?

Mark Arm - Escuto um monte de coisas diferentes e, uma hora ou outra, todas acabam deixando o meu toca-discos. Mas, Safe As Milk, do Captain Beefheart & the Magic Band é um grande álbum da primeira fase do piscodelismo. Assim como The Psychedelic Sounds, o primeiro do 13th Floor Elevators.

- As trilhas sonoras de Russ Meyer são itens importantes na sua coleção, já que Mudhoney é o nome de um filme do diretor?

Mark Arm - Não são tão importantes assim, como se pode imaginar. A única trilha sonora que eu tenho de um filme de Meyer, em minha coleção, é Faster Pussycatt Kill! Kill!, de 1965.

- Qual o mais novo título passou para sua discoteca?

Mark Arm - O último foi o álbum do Pissed Jeans, Hope for Men (SubPop) - a melhor e mais fudida gravação de punk que ouvi em muito tempo.

- Cite dez álbuns que uma boa coleção de rock deve ter.

Mark Arm - Não gosto de dizer o que as pessoas devem ouvir e nem de impor o meu gosto para os outros. Mas gosto dos ábuns desses dez artistas: The Stooges (o primeiro), MC5 (High Time), Captain Beefheart (Safe AsMilk), Brian Eno (Here Come the Warm Jets), Bill Withers (Still Bill, Just As I Am), Charles Mingus (tudo), Os Brasões (Os Brasões), Pere Ubu (The Modern Dance), Rolling Stones (tudo até It's Only Rock 'n' Roll), Easy Action (Friends of Rock 'n' Roll).

- Qual disco tem a melhor distorção fuzz de todos os tempos?

Mark Arm - Não tenho certeza. Vincebus Ereptum, do Blue Cheer, talvez.


* Cristiano Bastos é co-autor do livro Irredutíveis Gauleses, escreveu para a Bizz nesta última fase e colabora com Senhor F.

Um comentário:

charles disse...

buenas, a "comercialização" da revista e a fase axé/pagode em meados da década de 90 elevou ao máximo o desinteresse pela revista, já que o povão de deslumbrava com a bunda da carla perez e cia.

depois, a revista ficou cara (inclusive, os gibis de heróis mudaram...o preço tb!).

mas às vezes saíam edições excelentes como uma de maio de 2001, capa preta com o renato russo na capa - tb me apresentou o damien jurado -, o qual
dizia que o dado villa-lobos estava reorganizando k7s antigos pra futuro lançamento de uma lata com raridades da legião urbana.

seria o máximo! essa reportagens legais que nos fazem viajar longe a gente só lia na bizz.

a bizz morreu prq a gurizada que hoje vive a massificação da internet e não compram mais revistas, aliás, alguém ainda compra cds?