Los Porongas - Los Porongas (2007)

O espelho de Narciso é impreciso”. Tão impreciso que teima em refletir somente imagens, sons e realidades vistas, ouvidas e vividas num pequeno pedaço de Brasil chamado sudeste. Enquanto uns dormem, outros assistem ao noticiário, antes do horário nobre, ou fazem música pop da melhor qualidade, num lugar distante, diferente até no fuso, mas não menos confuso, desigualmente rico e miserável como tantos desse continental país.
Acordados estavam quatro acreanos, diante da subvertigem que ameaçava igualar a cena alternativa brasileira num só molde novidadeiro mal gravado, sem a inspiração de grandes poetas (ou, no mínimo, de bons letristas), sem brilho, emoção, tudo com cara de sucata da inspiração pop estrangeira, quando tudo deveria estar ao contrário, então. O espírito da virada para o novo milênio pop, pós-Strokes, era quase o de porco, daí talvez a valorização de tudo o que fosse tosco, rude, sem distinção. Como se o grupo nova-iorquino fosse apenas rude, qualquer nota hype ‘n roll. Longe de lá, mas distante também do centro nervoso e desatento da desdémocracia local, cada vez menos verde, mais febril e amarela, Diogo Soares (vocal e letras), João Eduardo (guitarra), Márcio Magrão (baixo) e Jorge Anzol (bateria) abriram um extenso caminho sonoro ligando experiências (trans)amazônicas a interesses de uma legião jovem carente e urbana de um outro(?) Brasil. Não antes de pegar de volta, em barras de brit rock, parte do ouro saqueado pelos colonizadores de outrora, que pouco têm a ver com Beatles ou Radiohead.
Se com uma chama acesa sobre a cabeça, num artefato feito um chapéu de latão, denominado poronga, o seringueiro abre trilhas na floresta e cria varadouros pra extrair da mata seu sustento, o Los Porongas é capaz de um feito semelhante, mantendo o mesmo fogo com lampejos musicais e literários intensos – o que dá ao grupo clareza rara diante do obscuro mercado e embaralhado cenário da música brasileira, além de plenas condições para desbravá-lo, sem que uma nota produtiva sequer precise ser desmatada. “Tudo se percebe, quando se persegue”, canta Diogo, em Suspeito de Si. Ele e a porção instrumental da banda parecem ter suspeitado, identificado quão valioso seria (re)lançar no repertório popular um Lego de Palavras condizente com a riqueza e complexidade da nossa língua e, assim, empregar com urbanidade amazônica frases como “sapiência não ilude, sapo que é Philomedusa, bicolor em Hollywood, sim”; um tanto difíceis para a obviedade e semi-analfabetismo do pop atual. A conclusão vem noutra seqüência: “a cabaça das idéias, conhecida por cabeça, quem sabe talvez mereça rosa, lírio ou azaléia”. Desde que a cabaça lodeada por amor, dor e qualquer flor sem nome, em função da simples displicência poética, seja esvaziada pra que caibam novos e velhos verbetes, melodias, acordes e batidas. Muito além de tudo isso, que a indústria fonográfica e todo o seu maquinário vem reduzindo a um repertório limitado, sem sotaques, estupidamente globalizado, é que estavam sintonizadas as mentes desses quatro entusiastas da nova estação sonora. Ou seria tropical? Tanto faz, porque o som do Los Porongas é bem quente, mas paradoxalmente chega pra arejar o clima semidesértico, que vai do pop ao rock, leste a oeste do território nacional, e chega pra fertilizar áreas esquecidas, quase improdutivas do latifúndio da mpb. E esse mesmo som tão iluminado não brotou de nenhuma capitania hereditária, não tem sobrenome, nem precisou da benção do João (Gilberto), do Caetano, do Papa, de qualquer ambientalista, ministro ou mesmo do Lobão. É música brasileira, popular, independente por obra do “destino, desatino, motivo clandestino algum que, no caso, vai se revelar em...” REDENÇÃO!
(Release por Terence Machado)

Los Porongas (2007)

Todas as letras por Diogo Soares, exceto 'Subvertigem' (letra por Diogo Soares e Daniel Soares) e todas as músicas por Los Porongas.
Produzido por Phillipe Seabra. Mixado e masterizado por Gustavo Dreher e Philippe Seabra. Gravado no Daybreak Studio, Brasília-DF, entre junho e setembro de 2006.

Um comentário:

jamagonça disse...

Como sempre, grandes serviços prestados por este blog a nós amantes da boa música.
Grande abraço