Picassos Falsos - Novo Mundo (2004)

"Unfinished business" , como se diz em inglês: algo que ficou parado pelo meio, não concluído, e que ainda está por resolver. Tudo aquilo que faltou fazer, que faltou dizer. Foi assim com os Picassos Falsos. Quinze anos atrás, com apenas dois álbuns no currículo. Picassos Falsos, de 1987, e Supercarioca, de 1988 , o quarteto se separou. No topo da forma. Com muito ainda por fazer.
Ficou cada um por si: o vocalista Humberto Effe gravou um álbum solo pela Virgin, em 1995, antes de mergulhar no trabalho de compositor para Cris Braun, Toni Platão, Frejat, e Skank, e de colaborar com Dado Villa-Lobos na trilha do longa Buffo & Spalanzani.
O guitarrista Gustavo Corsi virou " giggeiro ", músico contratado para acompanhar Ivo Meirelles, Dulce Quental, Marina Lima, Gabriel O Pensador, Kátia B e Cláudio Zoli. Quando sentiu saudades de trabalhar em banda, formou a dançável Rio Sound Machine. O baixista Romanholi deu as costas à musica e dedicou-se integralmente ao jornalismo. O baterista Abílio Rodrigues abriu uma loja de instrumentos, formou-se professor em Filosofia e tratou de estudar música. E, no entanto, ficava sempre faltando um pedaço.
"Foi uma grande pena a banda ter acabado", recorda Abílio. "Tinha um potencial enorme ainda não realizado". " Supercarioca era uma bela carta de intenções", define Gustavo, referindo-se ao segundo e último álbum da banda, "que precisava de mais trato". Coube a Abílio pegar o telefone e reconvocar a banda, em 2001. Ele e Romanholli haviam se re-encontrado por conta do "Diamante Cor de Rosa", projeto do baixista focado no repertório de Roberto Carlos. Mas retomar os Picassos Falsos tornou-se a prioridade. "Fiquei um pouco cético", lembra Humberto. "Após tanto tempo sem estar (todo mundo) junto, não sabia no que ia dar. Demorou alguns meses de laboratório para a gente se re-encontrar".
Se a reunião dos Picassos Falsos coincidiu com a reforma de outras bandas dos anos 80, houve o compromisso de se distanciar ao máximo de qualquer manifestação de saudosismo. "Não queria ser mais um com nada de novo a fazer, a dizer", explica Humberto. "A gente voltou depois do " revival" dos anos 80", arremata Romanholli. "O nosso objetivo era retomar a banda do Supercarioca em diante. Nada a ver ficar fazendo" Remix 2001"de "Quadrinhos", um dos primeiros sucessos da banda.
Dito e feito. Novo Mundo, longe de ser um exercício nostálgico, retoma a conversa musical interrompida em 1988 da forma mais coerente e orgânica possível. É uma progressão natural a partir de Supercarioca : no caldeirão se misturam samba ("Rua do Desequilíbrio", "Pra Deixar de Ficar Só"), baião movido a guitarra ("Presidente Vargas"), samba-jazz ("Zig-Zag 2"), pop ("Até Onde For Seguir") , rock ("Eletricidade") e balada (a faixa-título). O intervalo de quase duas décadas afiou a capacidade dos integrantes. "Antes éramos mais peladeiros", admite Romanholli, "mas amadurecemos musicalmente. Todos estão tocando melhor, e o Humberto está compondo melhor".
De fato, Novo Mundo representa um salto quântico em termos da segurança e a autoridade com que a banda retoma seu justo e devido lugar na cena musical brasileira. Com a vantagem de agora todos os integrantes trazerem uma bagagem adicional de 15 anos de experiência.
Assim como sem Gilberto Gil, Mutantes, Novos Baianos e Paralamas do Sucesso os Picassos Falsos não teriam existido, sem os Picassos Falsos talvez o Brasil não tivesse tido Chico Science e Nação Zumbi, Los Hermanos, Pedro Luís e A Parede (e a lista continua). Os Picassos Falsos são síntese. São os arquitetos de um admirável Novo Mundo onde co-habitam Hendrix e Ismael Silva, sertão e Led Zeppelin, Prince e repente, forró e funk, samba e rock and roll.
Que falta faziam. Bem-vindos de volta.
(José Emilio Rondeau, Rio de Janeiro, Maio de 2004)


Novo Mundo (2004)
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