Wado em uma entrevista em Maceió

A voz de Wado

De passagem pela cidade para as festas de fim de ano, o compositor Wado solta o verbo em entrevista exclusiva à Gazeta e faz um balanço de sua carreira. (por Fernando Coelho)

O cenário não poderia ser mais adequado: uma casa aconchegante, encravada na encosta da mata atlântica, em frente à Lagoa Mundaú. Ali, em meio à tranqüilidade da exuberante paisagem da Santa Amélia, o catarinense mais alagoano do Brasil descansa da ressaca carioca após dois anos longe de casa.Além de rever parentes e amigos, Wado sabe que a curta temporada em Maceió é propícia para reavaliar os dez anos de dedicação à música. Com três aclamados discos e duas músicas em coletâneas lançadas na Europa no currículo, o compositor já começa a preparar o quarto álbum com os parceiros do Realismo Fantástico.Aos 28 anos, amadurecido, centrado e consciente do papel social do artista, Oswaldo Schilickmann Filho - o Wado - concedeu entrevista exclusiva à Gazeta e falou com tranqüilidade e clareza sobre a realização artística, a influência da literatura nas suas composições, o desgaste com o samba, o flerte com o funk carioca, a relação com a indústria fonográfica e apontou diferenças e semelhanças entre a miséria social de Maceió e a do Rio de Janeiro. Além disso, em primeira mão, revelou detalhes do futuro disco e os planos para 2006. Com vocês, uma das vozes mais lúcidas da atual geração musical da terra.

Gazeta - Em entrevistas recentes você citou grupos nordestinos como Cidadão Instigado, Karina Alexandrino, Jaguaribe Carne e mundo livre S/A como referências musicais atuais. Recentemente, recebeu convites de Otto e Zeca Baleiro para parcerias em composições. Na sua opinião, o melhor da música brasileira está sendo produzido no Nordeste?
Wado - Talvez em quantidade sim. Mas, no Sul, tem uns compositores. Recentemente teve uma cena gaúcha forte, com o Cachorro Grande, o acústico das bandas do Sul, com o Bidê ou Balde. O Rio tem o Rubinho Jacobina, o Adão Dãxalebaradã... Acho que é porque o Nordeste tem muitos estados, aí em quantidade a música chega bonito, chega mais forte mesmo, até por causa da cultura. Desde a década de 1960, mesmo com os artistas tendo que descer para o Rio de Janeiro e para São Paulo, a música nordestina sempre esteve presente nas rádios.

Você vem transitando na ponte aérea Rio-São Paulo-Maceió há alguns anos. Deve ter uma boa noção da evolução do meio musical alternativo e das turbulências do mainstream. Você vislumbra que a tendência no meio musical é o fortalecimento dos mercados regionais?
Eu sou a favor do fortalecimento dos mercados regionais. É um sonho para a gente correr atrás. Eu não sei se é uma tendência, mas a gente já percebe um certo profissionalismo, um amadurecimento das produções. Tem os festivais, como o Mada, em Natal. Recife e Bahia também sempre tiveram festivais fortes. Com isso aí você já consegue montar um “circuito Nordeste”. Em segmentos específicos, isso até já funciona ao viabilizar carreiras independentes na eletrônica, no hardcore e no reggae. São segmentos específicos e fortes onde você tem exemplo de bandas que estão fora do rádio, mas que estão vivendo de música. E no caso dos DJs isso é mais forte porque só é preciso uma passagem de avião, um quarto de hotel. A logística é muito boa. Enquanto isso, numa banda, são seis ou sete passagens, hotel e cachê para dividir. A música eletrônica tem esse trunfo.

Como você lida com o fato de ser reconhecido pela crítica especializada, sentir o gostinho da fama e ao mesmo tempo perigar voltar a Maceió para poder pagar as contas?
Eu já cheguei a experimentar a coisa funcionando durante alguns meses seguidos e isso é fantástico. É uma profissão abençoada. Você toca num lugar com transporte legal, alimentação legal, as pessoas te assistindo, você divulgando algo que você criou que não é nada mercadológico, é arte mesmo. E a vida viável nisso é fantástica. Socialmente, a gente tem que se adequar a algumas engrenagens em certos momentos da vida para viabilizar nossa sobrevivência. É engraçado. Eu aprendi a encolher esse ano. O que é legal também: você expande e encolhe, expande e encolhe. Daqui a pouco expande de novo [risos]. Até porque eu tenho outros interesses na minha vida. Se eu trabalhasse só com música eu não ia ser plenamente feliz. Eu tenho um negócio com a palavra que é forte na música, mas ela pode ser usada para outras coisas. Tenho uma paixão pela imagem que é anterior à música. Eu comecei a trabalhar com desenho antes de tocar. É algo que eu tenho vontade de realizar, mas só usei como hobby.

Algumas de suas músicas já foram regravadas e tocadas por outros artistas e até estão em trilhas de filmes. Já passou pela sua cabeça um dia viver de música apenas compondo?
Aí vai ser cruel. Isso é uma coisa raríssima hoje em dia. Se tocando e compondo já é difícil... Eu vejo o mercado muito fechado. Os grandes artistas não gravam os desconhecidos.Como foi tocar em Paris, durante o Ano do Brasil na França?Foi muito legal. A gente passou uma semana na França. É uma experiência incrível de vida estar em outro país e ter uma receptividade legal para com o público. A gente tocou num teatro lotado que tinha capacidade para 300 pessoas. No mesmo dia, o Cidade Negra tocou no palco maior. A gente era “lado B” [risos].

Pelos compositores de bairros distantes

Gazeta - Em entrevista recente à Folha de S. Paulo, você afirmou que estava num momento de entressafra. O que isso significa de fato?
Wado - Eu acho que já estou passando dele. Há uns quatro meses eu estava num momento em que o disco que tínhamos [com a banda Realismo Fantástico] feito não estava mais suprindo as minhas necessidades de compositor. Mas eu ainda não tinha uma coisa nova, pronta, para pensar em gravar. Hoje eu já tenho uma intuição do que é o próximo disco. Então já não é um momento de entressafra. É um momento de cristalizar o que vem por aí.

Nessa mesma entrevista, você disse ter recebido muita influência do rock. Para boa parte da crítica, no entanto, seu som é um misto de samba/pop/rock. Como se dá essa referência rock no seu processo de composição?
A gente era adolescente no momento da troca das mídias do LP para o CD. Com o advento do CD, o relançamento de todos os catálogos das grandes gravadoras veio num precinho, então eu pude conhecer melhor a música brasileira e me apaixonei por ela. Mas a minha formação era roqueira. O não saber tocar era punk. Até chegar na condição de poder tocar o samba que não é aquele samba de quem faz samba mesmo, mas tem o acorde e a levada do samba híbridos com a coisa roqueira, tudo terminou chegando numa linguagem interessante. Isso chamou a atenção da crítica no primeiro disco: uma atitude rock urgente dentro de uma linguagem bem brasileira. Agora, eu acho que isso deu uma cansada. Depois de dez anos ouvindo música brasileira como foco - e olhe que eu ainda tenho muito interesse nas coisas novas que estão surgindo - acabei voltando para a coisa gringa mesmo, pelo timbre, pelas novidades em estúdio. Não dá para virar xiita e dizer que só a coisa brasileira presta. Tem muita coisa para a gente aprender com os gringos.

Você já tem 12 composições prontas para um novo disco. Fale um pouco delas.
Esse próximo disco não tem nome. Ele trata de questões sociais, mas de uma forma mais doce. A gente vai voltar a mexer com a coisa eletrônica que largamos no terceiro disco. A eletrônica sempre esteve presente de uma forma meio “terceiro mundista”. E a gente vai voltar para ela num ponto mais amadurecido. Talvez seja um disco mais próximo do primeiro nessa coisa do social, mas ele ainda não é tão ríspido. Pelo menos as canções que têm surgido são sobre questões sociais. Elas tocam na ferida, mas de forma doce, de uma forma esperançosa, sorridente, ensolarada [risos]. Tem uma frase que tem amadurecido o disco que é “o terceiro mundo festivo”. Eu não sei... Isso talvez seja o nome de uma música, talvez o nome provisório do disco. Eu tenho achado muito interessante essa coisa do funk carioca, da linguagem do eletrônico do terceiro mundo. A nossa música eletrônica genuína é o funk carioca.

Numa escala de zero a dez, qual a importância/significado das letras em sua música?
Cruel [risos]... Essa aí é braba [risos]... Depende do disco. No primeiro, a palavra era seis e a musicalidade era quatro [risos]. No segundo, o disco era mais da música. Acho que fica seis para música e quatro para a letra. A gente submetia a palavra à música. As letras não se resolvem tão bem se não estiverem agarradinhas na melodia. O terceiro disco a gente submete a música a textos longos. A maturidade chegou e aí eu acho que é dez para os dois [risos]... Na verdade isso é muito relativo. Eu não sei dar nota para canção.

O que você lê tem algum tipo de influência em suas letras? O quê, por exemplo?
Ah, tem muito. No primeiro disco eu ainda estava muito próximo dos textos da faculdade, dos conceitos de jornalismo - concisão, objetividade... Então as letras são bem curtinhas. Quatro frases já resumiam o que se queria dizer. O segundo disco é mais visual mesmo. No terceiro, tem citação do Moacyr Scliar, o próprio Luis Capucho, que é compositor mas tem um livro. Tem influência do Neil Gaiman também.

Muitas de suas canções carregam mensagens reflexivas sobre a atual condição social brasileira. Você mora no Rio de Janeiro há pelo menos dois anos e conhece de perto a relação da cidade maravilhosa com seus morros e favelas. Por outro lado, em Maceió, metade da população mora em grotas e favelas. Quais as semelhanças e diferenças entre ambas as realidades?
É muito interessante você ter um chão nos dois lugares para comparar. Tem uma diferença brutal, que é a coisa do mendigo do Rio ter uma formação melhor do que o daqui. Lá, o mendigo tem concordância verbal. Eu fico impressionado: você pára numa banca de revista e um mendigo pára do seu lado, olha os jornais e tira uma onda espirituosa com o Lula. Aqui em Maceió os mendigos e as crianças que estão nos sinais... Você tenta conversar com o cara e é muito difícil ele manifestar qualquer coisa. É uma formação muito precária, mesmo a do nosso pobre de classe D e E. Mas ao mesmo tempo há muitas virtudes. O povo alagoano é muito simpático. Na verdade, essas duas matizes têm um talento para a paz impressionante. Dada a condição adversa e de miséria pela qual passam, eles poderiam ser muito mais sisudos, revoltados e violentos do que são.

Além do parceiro Alvinho Cabral, que vem contigo desde a primeira demo, de 1999, diversas bandas já acompanharam você, seja em Alagoas, no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Hoje, ao lado do Realismo Fantástico, você diria que está em seu melhor momento musical?
Eu acho que sim. A convivência dentro de uma banda é muito boa e tem seus desgastes naturais do tempo passando e das dificuldades enfrentadas, mas isso a gente tenta sempre que pode renovar. A coisa da delicadeza e da gentileza com o outro é algo que sempre prezo nos ensaios. Porque é tanta intimidade que para você puxar para a grosseria fica fácil. Musicalmente a gente tem trabalhado bem e os caras têm me ajudado muito. Eles são bem mais músicos do que eu neste aspecto. Eu sou mais compositor e a turma termina me puxando para cima mesmo.

O próximo disco será assinado como Wado e Realismo Fantástico?
Sim.

Em 2006, DVD e o projeto Fino Coletivo

Gazeta - Em 2006, além do lançamento de um novo disco, você tem algum plano extra?
Wado - Eu gostaria muito - e é uma meta para esse ano que está começando - de preparar um projetinho para a Lei Rouanet para fazer um DVD. Com a bagagem de três discos, o nosso show está muito divertido, muito bonitinho, muito bem executado. Então já tem qualidade para fazer um DVD bacana.

E o Fino Coletivo? Fale um pouco sobre esse projeto.
Foi uma grande sacada que a gente teve no Rio de Janeiro. Primeiro porque é mais difícil tocar no Rio do que em São Paulo. Então, para a gente [como Wado e Realismo Fantástico], tocar no Rio é complicado porque precisamos de passagens de ônibus ou avião para os integrantes que moram em São Paulo. E o Fino Coletivo é um projeto no qual todos os integrantes moram no Rio. Gravamos umas músicas no estúdio do baixista e as colocamos de graça no site da Trama Virtual para download. Inclusive surgiu um convite para a gente tocar no Rec Beat [festival alternativo realizado no carnaval, no Recife], mas a gente está esperando uma resposta porque as sete passagens de avião Rio-Recife assustaram a galera. Isso, por sinal, é um grande empecilho para Wado e Realismo Fantástico virem lançar seu disco em Alagoas.

Com o recesso do Mopho, você e o Sonic Junior são os únicos representantes da música alagoana a ainda chegarem com força na mídia especializada nacional. Você já ouviu o novo disco do Sonic? O que achou?
Ouvi. Achei muito bom. Na minha opinião é melhor que o segundo disco. Mas é uma questão de gosto. Os três discos do Sonic são muito competentes, mas o segundo parte para uma timbragem mais gelada que não me agrada muito. O primeiro, que era mais amarrado na canção, eu acho fantástico. Tem a coisa das harmonias. O Aldo [Gonzaga, primeiro guitarrista do Sonic Junior] tem um conhecimento harmônico rico que somava com o Juninho. Achei muito bom esse novo disco. A coisa minimalista da festa eletrônica muito bem realizada, tem uma capa bonita... Vai dar o que falar esse disquinho dele.

Recentemente, o disco A Farsa do Samba Nublado ficou por um dia disponível para download gratuito no site do MP3 Magazine. Por questões contratuais, a gravadora (Outros Discos) pediu para o álbum ser retirado do ar. Qual sua posição sobre o assunto?
[Gargalhadas] Essa aí é uma encrenca. Na verdade, rolou um mal entendido. A MP3 Magazine me perguntou se eu tinha interesse. Eu disse que tudo bem porque não vejo a necessidade de uma banda do tamanho da nossa reter informação. Até que porque quem gostar do disco pode querer comprar o original, vai querer ter o encarte e mesmo se não quiser vai no show, vai movimentar ou pode mostrar para um amigo que vai comprar.

E em relação aos seus outros dois discos: eles estão esgotados? Há alguma previsão de relançamento?
Não. Em relação ao Manifesto da Arte Periférica há 500 discos prontos e presos na Universal. Só que eu já tentei comprar algumas vezes, mas como eles vendem outras coisas em grandes quantidades, não priorizam o pedido. Já liguei para lá três vezes para comprar 75 discos, falo com a atendente, ela pede meu e-mail para mandar os dados e nunca me chega nada porque ela faz vendas que alcançam cifras de 5 mil, 10 mil discos.

Quantas cópias foram feitas do primeiro disco?
Acho que por volta de mil.

E de Cinema Auditivo?
Ele está nas duas mil cópias, mas não sei se já zerou. Está na Internet, tem na gravadora, na distribuidora. No mercado independente nunca é fácil encontrar discos. A distribuição é difícil.

E no caso do primeiro disco, que não é encontrado comercialmente, você incentivaria a pirataria?
A pirataria caseira, com certeza. Eu não incentivo que prensem para vender. Eu sei que o disco está nos programas como Kazaa e eu fico feliz que esteja.

DISCOGRAFIA
O Manifesto da Arte Periférica (Ano: 2001 - Gravadora: Dubas - Quanto: esgotado)
Cinema Auditivo (Ano: 2002 - Gravadora: Outros Discos - Quanto: R$ 21, em média)
A Farsa do Samba Nublado (Ano: 2004 - Gravadora: Outros Discos - Quanto: R$ 21, em média)

QUEM É
Nome: Oswaldo Schilickmann Filho
Data de Nascimento: 05/07/77
Atividade: músico e compositor
Formação: Jornalismo
Hobbies: surf, desenho, filmes e boemia
Site: www.wado.com.br

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